01 de Janeiro, 2025

Acabar com os conflitos de interesse na partilha em 2025? Sim, é possível.

Massimo Forte

O ponto 1, da cláusula 2ª dos contratos de mediação imobiliária habituais refere o seguinte:

1 – A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na Compra ___ Trespasse ___ Arrendamento ___, pelo preço de ___ Euros (___), desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.

Depois de uma mais completa e cuidada leitura da lei da mediação, subentende-se que as mediadoras imobiliárias devidamente licenciadas através de uma licença AMI, têm como base do seu negócio e serviço, a promoção e divulgação do bem imóvel de um legitimo proprietário ou interessado que pretenda transacionar e que somente na conclusão definitiva do negócio, a não ser que seja acordada alguma antecipação de pagamento no contrato de mediação imobiliária, é que a empresa será remunerada, normalmente por uma percentagem sobre o valor do bem transacionado. A forma correta de designação deste valor designa-se de comissão, sendo esta a única recompensa do serviço prestado que tem como objetivo final a transação do imóvel.

Nos países mais evoluídos ao nível da atividade de mediação imobiliária, começou, desde muito cedo, mais especificamente desde os finais do século XIX, a surgir uma forma de trabalho conjunto entre duas empresas de mediação que detinham dois clientes na mesma transação, o vendedor e o comprador.

Pensou-se que o CMI ou Contrato de Mediação imobiliária era apenas assinado pelo proprietário e era ele quem pagava a comissão à empresa de mediação, mas no caso de outra empresa de mediação poder completar o negócio trazendo o comprador e fechando assim a transação, não seria justo ficar com uma parte da comissão?

Possivelmente foi assim que surgiram os primeiros negócios partilhados, até porque por norma, o comprador não pagava nem o serviço, nem qualquer comissão.

Com o passar dos anos, com a evolução da atividade e dos seus profissionais e com a chegada da tecnologia, este tipo de práticas desenvolveu-se de forma mais democratizada, dando origem a redes imobiliárias ou de networking, e em alguns países, a legislação própria para o efeito.

No caso do mercado português, a partilha começou a ser instituída de forma mais abrangente com a entrada das redes norte-americanas, contudo, será importante referir que antes da sua entrada no mercado, os profissionais portugueses conheciam bem esta forma de fazer negócio, mas havia uma grande resistência em aplicá-la por duas razões:

  • Não se podia partilhar algo que não se detém, trabalhava-se muito pouco com contratos em regime de exclusividade;
  • Não existia a vontade e hábito de partilha de comissão.

O mercado português foi evoluindo para um mindset de pensar cliente e melhor serviço, e seja em mercados mais ou menos escassos de imóveis para a transação de venda, a colaboração entre empresas de mediação começou a ser uma prática adotada e que faz hoje parte do dia a dia de um agente imobiliário, embora e curiosamente, se continue a trabalhar pouco em exclusivo.

Estima-se que no segmento residencial, 80% das empresas de mediação trabalham em regime aberto. De notar que o mercado de empresas de mediação é altamente disperso.

Algumas situações importantes que importa referir sobre partilha para melhor esclarecer e evitar conflitos, fazendo com que seja considerada uma boa prática para a classe e em especial para os clientes vendedores e compradores que dela beneficiam por terem ao seu alcance a possibilidade de fechar a transação de forma muito mais célere:

  • Apesar da evolução da prática, as partilhas não estão previstas na lei da mediação em Portugal, por isso deverá sempre existir um acordo escrito entre partes (as empresas de mediação que pretendem partilhar entre elas), englobando nesse documento a explicação do negócio, a identificação do imóvel a ser partilhado, o valor e a proporção percentual das comissões a serem repartidas;
  • A partilha é uma boa prática e uma escolha de melhoria de serviço a prestar ao cliente, não é uma obrigação. As empresas de mediação não são obrigadas a partilhar e não é por isso que são piores profissionais ou estão a incumprir o seu dever contratual;
  • As empresas de mediação que detém o contrato de mediação imobiliária com o proprietário, são responsáveis por definir, esclarecer e evidenciar a proporção e forma de pagamento da comissão, as empresas que detêm o comprador interessado, terão a escolha de aceitar, ou não, as condições estipuladas podendo a sua decisão fazer prosseguir ou inviabilizar a partilha do negócio;

Face ao exposto será importante refletirmos que a partilha do negócio surge para melhorar o desempenho das mediadoras e por consequência melhorar o serviço a cliente que tem como base, a conclusão da transação dentro do preço desejado ou o valor mais alto possível, e no período pretendido que é desejavelmente o mais curto praticável.

Como a posição do cliente vendedor e comprador são antagónicas, a partilha promove um trabalho entre ambos os agentes intervenientes no sentido de obter a melhor posição negocial possível para os seus clientes, sem nunca se desfocarem do objetivo que é, o da transação. Afinal, foi por isso e para isso que foram contratados.

A negociação e os conflitos de interesse estão na ordem do dia nesta atividade, e à medida que a atividade tem vindo a evoluir, tem feito com que o tema da partilha se tornara-se algo muito sensível entre os profissionais desta área, ora vejamos…

O termo “pleno” indica que numa transação houve apenas a intervenção de uma única empresa de mediação e ainda de um único agente imobiliário. Ao fazer um pleno, a comissão gerada não é repartida simplesmente porque o negócio não foi partilhado.

Já referi neste mesmo texto que esta prática é legitima, no regime aberto é normal, em regime de exclusividade e quando existe a ajuda de um outro profissional que tinha o comprador, começam as zonas cinzentas e dúvidas:

  • Se a empresa detentora do CMI estava de antemão disposta a partilhar, deve, por uma questão ética, informar o seu cliente proprietário da existência desta possibilidade explicando que é considerada como mais uma forma de divulgação do imóvel. O mesmo deve acontecer quando a empresa não pretende partilhar;
  • Defendendo o princípio da transparência, esta mesma empresa deve igualmente informar por escrito sobre a forma como a partilha é feita explicando a proporção e empresas com quem partilha.

O “pleno” pode ser feito entre dois agentes dentro da mesma agência, ou seja o negócio é mediado por dois agentes da mesma agência e será a agência quem vai receber e partilhar as comissão pelos dois agentes, processo mais fácil mas que também levanta outra dúvida, será que o mediador (dono da agência) vai defender o seu interesse e jogar com a informação de ambos os clientes com o objetivo de fazer a transação dentro da sua agência, independentemente do dever ético de defesa dos interesses de satisfação plena dos seus clientes?

A isto chama-se dupla mediação. Nos países mais evoluídos esta prática também é alvo de regulamentação para evitar conflito de interesses.

Existe também outra prática menos interessante que surge quando existem duas propostas para o mesmo imóvel, feitas dentro do mesmo espaço temporal, mas uma delas é sem partilha, ou seja, uma delas o agente detém os dois clientes, e na outra, há um agente de uma outra mediadora envolvido. Agora imaginem que a proposta em regime de partilha é mais vantajosa para o proprietário, mas a outra (a do “pleno”), é menos favorável para o cliente, mas mais favorável para o agente e empresa que representa… Existe uma tendência do agente ou mediador puxarem o negócio para o seu lado, e há quem nem sequer apresente a proposta do colega, neste caso, esta última prática infringe mesmo a lei portuguesa da mediação imobiliária, pois todas as propostas deverão ser apresentadas aos clientes.

Num momento em que o “novo” projeto de lei da mediação imobiliária está congelado algures numa gaveta dos governos passados e do atual, os anos vão passando, a mediação e tecnologia vão avançado, mas os conflitos também, arrisco-me a dizer que não temos apenas um problema de atraso nos prazos de licenciamento de bens imóveis, temos também um problema de atraso na aprovação dos decretos de lei que trariam mais eficácia e transparência às transações imobiliárias.

Artigo de Massimo Forte para blog Out of the Box

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