23 de Abril, 2025

Agentes Imobiliários com licença de Mediadoras? Assim funciona o mercado.

Massimo Forte

Em vários países, como nos EUA, os agentes imobiliários têm de ter formação específica e uma licença individual para angariar, vender ou arrendar casas. Mas em Portugal não é obrigatório.

O mais comum é que os agentes imobiliários trabalhem sob alçada do licenciamento obtido pela mediadora imobiliária onde trabalham.

Mas porque é que isto acontece?

Haverá riscos para quem compra e vende casas, para as mediadoras imobiliárias e até para estes profissionais? O idealista/news ouviu especialistas do setor imobiliário para responder a estas e outras questões. A convicção generalizada é que exigir formação e licença para consultores imobiliários ajudaria a garantir maior segurança e transparência na atividade, para todos.

Em Portugal, a atividade de mediação imobiliária é regulada pelo regime jurídico estabelecido na Lei n.º 15/2013, estando sujeita a um licenciamento prévio que deve ser requerido junto do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC). “A lei não contempla a existência de agentes imobiliários expressamente, mas sim de empresas (pessoas singulares ou coletivas) de mediação imobiliária, os seus técnicos e angariadores”, tal como esclarece Tiago Leal, associado sénior da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, ao idealista/news.

Ou seja, “a legislação portuguesa para a mediação imobiliária não impõe, de forma obrigatória, uma licença individual para cada agente. Em vez disso, existe o regime do Alvará de Mediação Imobiliária (AMI), que é concedido à entidade (agência) que atua no setor”, aponta, por outro lado, Patricia Boavida, advogada associada na Belzuz Abogados. Isto leva a que, frequentemente, os agentes imobiliários trabalhem através do licenciamento da empresa de mediação imobiliária, estando sujeitos à supervisão e responsabilidade da entidade licenciada.

“A legislação portuguesa responsabiliza as agências e desresponsabiliza os Agentes”, refere Massimo Forte, consultor, coach e formador especializado em imobiliário.

Mas nem sempre foi assim. Há cerca de 20 anos, o Decreto-Lei 211/2004 requeria a licença de “Angariador Imobiliário”, mas acabou por ser revogado anos mais tarde.

“Com a eliminação desta obrigatoriedade caiu uma das barreiras à entrada, o que ajudou a fazer crescer e alimentar modelos de recrutamento massivos, que tendencialmente surgiram para alargar a atuação e quota”, comenta Massimo Forte, consultor, coach e formador especializado em imobiliário, considerando que uma nova obrigatoriedade neste sentido poderia ter um “efeito desacelerador” na atividade, apesar de estimular a formulação de estatísticas úteis.

Mas porque é que a regulamentação portuguesa optou por focar a responsabilidade nas mediadoras imobiliárias e como é que está o projeto anunciado pelo regulador do setor para criar uma nova normativa?

Apesar de várias tentativas, o IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção não respondeu ao idealista/news, a estas e outras questões, até à data de publicação desta notícia. Segundo a advogada Patricia Boavida, “essa estrutura administrativa permite uma centralização da supervisão, facilitando o controlo e a fiscalização, assim como uma redução de custos e burocracia, contribuindo para uma maior fluidez no acesso à atividade”.

De qualquer forma, os agentes imobiliários que queiram trabalhar de forma independente também podem pedir uma licença individual junto do IMPIC, enviando uma série de documentação (como o certificado de registo criminal, declaração de idoneidade comercial, declaração de início de atividade). Além disso, têm de pagar o licenciamento (100 euros), o registo (50 euros), taxa anual de regulação (265 euros) e contratar um seguro de responsabilidade civil. Todo o processo acaba por ser mais burocrático e caro para o agente imobiliário, não sendo, por isso, atrativo, segundo é comentado no mercado.

Há riscos para os agentes, mediadoras e para quem compra, vende ou arrenda casas?

Atualmente, “a legislação portuguesa responsabiliza as agências e desresponsabiliza os agentes”, resume Massimo Forte. E explica porquê: “Para as agências detentoras da licença AMI, os riscos são muito elevados, pois terão de garantir que os agentes que contratam se regem por conduta ética e pela lei para, por exemplo, não divulgar informação incorreta que possa levar a compras ou vendas em perda, ou entrar em ilegalidade inadvertidamente”.  O especialista em imobiliário avisa ainda que uma má experiência poderá criar uma má imagem ligada à marca que o agente representa, podendo ainda ter custos elevados. Já “o risco para quem compra e vende não é elevado, pois quem detém a licença AMI será sempre responsabilizado pelos atos dos agentes que contratou”, assegura.

Os colaboradores das empresas de mediação imobiliária “não se encontram sujeitos ao mesmo nível de escrutínio de que as referidas empresas são alvo, no âmbito do procedimento de licenciamento, o que pode, efetivamente, comportar riscos acrescidos para as partes interessadas, compradores e vendedores”, detalha a consultora Carla Leandro e o advogado Pedro João Domingos na Sérvulo & Associados. Isto porque “o apoio na mediação pode inclusivamente carecer de suporte jurídico ou urbanístico, especialmente na validação prévia dos documentos que irão instruir as transações”, apesar dessa validação estar prevista na lei. 

Há quem tenha uma visão diferente. “Os riscos para a empresa e consultor são os normais para qualquer atividade regulada, que passam essencialmente pela garantia do cumprimento das normas aplicáveis à prossecução da atividade e da legitimidade (o licenciamento) e segurança (o seguro) para o exercício”, defende Tiago Leal. Neste sentido, “quem vende ou arrenda estabelece obrigatoriamente uma relação contratual com a empresa de mediação imobiliária, pelo que os riscos destes intervenientes estão associados à contratação em si e à transmissão correta da informação e documentos à empresa de mediação, a par da confirmação da sua capacidade para o exercício da atividade”, argumenta o advogado da PRA.

Quem é que se responsabiliza caso haja problemas na venda de uma casa?

Caso a compra, venda ou arrendamento de uma habitação incorra numa ilegalidade, quem assume a responsabilidade é principalmente a agência imobiliária titular do alvará, que deve garantir o cumprimento de todas as normas e obrigações durante as transações, defendem os advogados contactados pelo idealista/news. De notar ainda que “atos ou omissões praticadas por mediadoras ou agentes imobiliários são protegidos por um seguro de responsabilidade civil, de um valor mínimo de 150.000 euros”, referem os juristas da Sérvulo.

“A responsabilidade pelo dano causado pelo exercício da atividade é da empresa de mediação imobiliária, com quem é estabelecida a relação contratual, na medida em que essa empresa tenha cometido alguma ilegalidade na sua atuação, nomeadamente violando os seus deveres legalmente previstos ou se, por ação ou omissão não relacionada com esses deveres, venha a causar danos na esfera de qualquer dos intervenientes”, indica o advogado da PRA, por outro lado.

O regime jurídico da mediação imobiliária prevê a aplicação de coimas caso haja “exercício ilícito da atividade”, recorda Tiago Leal, dando alguns exemplos: 

  • Violações geradoras de responsabilidade contraordenacional o exercício da atividade sem licença;
  • Utilização de quantias prestadas pelos destinatários do negócio fora dos limites legais;
  • Falta de emissão de cartões de identificação dos colaboradores das empresas de mediação imobiliária.

“Os agentes [imobiliários] podem ser pessoalmente responsabilizados se forem comprovados comportamentos dolosos, negligentes ou em caso de má-fé”, Patricia Boavida, advogada associada na Belzuz Abogados.

Apesar de os agentes imobiliários atuarem sob o amparo do alvará da agência, podem ter de responder pelos seus atos, sobretudo, se as mediadoras tiverem cumprido todos os seus deveres. “De facto, os agentes podem ser pessoalmente responsabilizados se forem comprovados comportamentos dolosos, negligentes ou em caso de má-fé”, destaca Patricia Boavida, da Belzuz Abogados.

Sempre que os agentes imobiliários atuarem fora da lei podem “incorrer num procedimento contraordenacional, suscetível do pagamento de coimas que podem ir dos 500 euros até aos 30.000 euros, consoante a norma violada, a gravidade e prática reiterada da mesma, ou a identidade do agente (pessoa singular ou coletiva)”, explicam desde a Sérvulo. E também pode haver lugar a “sanções acessórias, por um período máximo de dois anos, como o encerramento de estabelecimentos comerciais, a interdição do exercício da atividade e a privação do direito de participar em feiras ou mercados”, acrescentam.

O que falta mudar no regime jurídico da mediação imobiliária em Portugal?

Na visão dos especialistas em imobiliário ouvidos pelo idealista/news, há várias mudanças a fazer no atual regime jurídico da mediação imobiliária em Portugal, para tornar o mercado mais transparente, seguro e profissional:

  • Mais formação para agentes imobiliários: hoje, a legislação não exige a frequência obrigatória de formação específica para o exercício da atividade de mediação imobiliária. O que os técnicos e angariadores imobiliários devem ter são cartões de identificação emitidos pelas agências com o AMI, fotografia e nome. Esta é uma realidade que precisa ser mudada para aumentar a confiança e segurança da atividade. “É muito importante que a atividade de mediação seja composta por agentes conhecedores das bases da lei, não apenas da mediação imobiliária, que os regula, mas da própria lei civil e administrativa, sobretudo no que toca ao licenciamento de operações urbanísticas”, apontam Carla Leandro e Pedro João Domingos, da Sérvulo;
  • Licença para cada agente imobiliário: ao “exigir que cada agente possua uma licença pessoal, além de trabalhar sob o alvará da agência, poderia reforçar a responsabilização individual e assegurar que todos os profissionais cumpram padrões mínimos de formação e ética”, argumenta da especialista da Belzuz. Para Tiago Leal, da PRA, a exigência de licenciamento para consultores imobiliários e obrigação de formação seriam duas alterações que “conseguiriam, só por si, garantir maior segurança e transparência na atividade, com benefícios óbvios para clientes e destinatários dos negócios”. Também Massimo Forte acredita que “a formação para obtenção de uma licença para operar como agente imobiliário deveria ser obrigatória e contínua para distinção de bons profissionais e credibilização do setor”, não tendo dúvidas que as empresas do setor seriam a favor deste modelo;
  • Revisão do seguro de responsabilidade civil: o atual valor mínimo deste seguro, de 150.000 euros, está inalterado desde 2013, o que para o advogado da PRA, não faz sentido no mercado atual, tendo em conta que os preços têm subido exponencialmente nos últimos anos. “Seria expectável que o montante mínimo do seguro tivesse acompanhado esse aumento dos preços, que tem necessariamente repercussão nos montantes dos danos potencialmente causados pela atividade”, argumenta;
  • Regulamentos mais detalhados: sobre a conduta dos agentes imobiliários e a definição precisa de responsabilidades poderia “ajudar a reduzir ambiguidades e conflitos”, acredita Patricia Boavida;
  • Criação do sistema automático de partilhas: Massimo Forte aponta que há “um problema de base para a atividade de mediação imobiliária que tem que ver com transparência, concretamente, com a não existência de um MLS (sistema automático de partilhas e referências)”, que deveria ser impulsionado pela legislação. É por isso que “não sabemos exatamente quantos agentes existem em Portugal, não sabemos qual a quota de mercado em transações que a mediação tem, qual o perfil das pessoas que trabalham neste mercado, onde trabalham, nem os seus resultados médios por perfil”, explica. Na sua visão, na mediação imobiliária – como em qualquer área – “ter dados e estatísticas são basilares para a visão e tomada de decisão” e a sua ausência traduz-se em “menor rapidez nas transações”, por exemplo;
  • Reforço dos mecanismos de supervisão e inspeção: na perspetiva dos especialistas da Sérvulo, deveria haver melhorias na supervisão feita pelo IMPIC nas atividades de mediação, com mais ações de fiscalização, um portal de reclamação e denúncia, o que contribuiria para detetar práticas ilegais e abusivas, punindo-as de forma mais eficaz.

Embora o modelo atual facilite a entrada dos agentes imobiliários no mercado ao reduzir barreiras burocráticas, Patricia Boavida, da Belzuz, entende que “uma maior exigência de qualificação individual e mecanismos de supervisão mais rigorosos possam contribuir para um mercado mais transparente, seguro e profissional”, conclui.

Artigo no Idealista de 17 Abril 2025.

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