Blockchain: tokenização de imobiliário em imobiliário para novas gerações
Curioso por saber como as novas gerações influentes entre os 20 e 30 anos vêm o imobiliário, fui desafiado pelo Massimo Forte a passar para o “papel” uma opinião mais completa do que foi uma troca de impressões numa conversa familiar e descontraída.
Sou Bioquímico de formação pela Universidade do Porto, realizei o meu Doutoramento em Biologia Estrutural e Biofísica na Université Paris-Saclay, França, entre 2015-2019 e atualmente trabalho em investigação científica no Instituto Pasteur em Paris, com foco em estruturas atómicas e interações de proteínas.
Nada a ver com imobiliário, mas durante a pandemia Covid-19, e apesar de todos os seus inconvenientes para as nossas quotidianas, encontrei tempo para descobrir e explorar novos temas que se tornaram grandes pontos de interesse pessoal: literacia financeira; investimentos; imobiliário; Blockchain; tecnologia e inovação.
Constatei que ao longo da História da Humanidade, o imobiliário teve sempre um papel crucial no desenvolvimento social e económico das diferentes civilizações. Acredito que até aos nossos dias, o imobiliário tem, e terá sempre, um papel fundamental nas nossas vidas, porque todos nós precisamos de uma casa para viver.
Afinal de contas, a posse de imobiliário tem sido sempre sinónimo de segurança para o seu detentor pela sua tangibilidade. Para cada família que opta por adquirir a sua residência, o sentimento é de que o conforto adquirido é uma garantia para o futuro. Para investidores imobiliários, a aquisição e rentabilização de um imóvel permite gerar um complemento salarial mensal e, para os mais ambiciosos, liberdade financeira e criação de riqueza geracional.
No entanto, a inovação tecnológica vem sempre pôr à prova os dogmas já instalados, e creio que mais uma vez na nossa História, estamos a entrar a passos largos para um novo paradigma que terá tanto ou mais impacto nas próximas décadas que a utilização e evolução da internet nos últimos 20 anos.
Por esta razão e por considerar que o imobiliário continuará a ser um potencial gerador de valor, decidi aceitar o desafio e partilhar a minha visão sobre o que despertou a minha atenção:
- Novas e mais recentes formas de transacionar e investir em imobiliário.
Quem já não ouviu falar de Blockchain nos meios de comunicação social e redes sociais, mas talvez ainda de uma forma muito vaga.
A palavra mais comum nestas redes, associada a Blockchain, é sem dúvida Bitcoin (uma criptomoeda que permite transações monetárias de uma forma descentralizada, peer-to-peer). É talvez uma forma muito simplista de definir Bitcoin, mas o meu foco será na tecnologia que permite a existência da Bitcoin e de outras criptomoedas – a Blockchain.
Blockchain é simplesmente um tipo de base de dados que difere de uma base de dados típica na forma como os dados são armazenados. As Blockchains armazenam dados em blocos, que são posteriormente organizados em cadeias, há medida que nova informação vai sendo integrada. As Blockchains têm a vantagem de poder ser descentralizadas, o que permite que a informação que entra é imutável, transparente, irreversível, e em que todas as entidades envolvidas têm igual acesso à informação.
Dentro de uma dada Blockchain, os utilizadores têm a possibilidade de “tokenizar” dados. “Tokenização” é o processo de substituir dados por uma identificação única que retém a informação dos dados sem comprometer a sua segurança. A Blockchain e a Tokenização permitem abrir portas do ponto de vista de evolução civilizacional que possivelmente nunca imaginou.
Vamos a exemplos:
- Imagine que é colecionador(a) de arte e que tem agora a possibilidade de ser detentor(a) de “tokens” de Arte, produto da Tokenização da posse de uma obra de Pablo Picasso, ou Caravaggio… a mesma obra de arte poderá ter vários detentores, e o detentor com maior número de tokens terá a possibilidade de ter a obra exposta em sua casa…
- Suponha que é artista de música e que pretende tokenizar uma composição sua, decidindo qual a percentagem de direitos de autor que receberá por cada transação realizada dos tokens que criou…
- Imagine que vive num país onde o sistema político e administrativo são infelizmente corruptíveis e que a aquisição de um terreno ou casa não são fáceis de provar por não existir um sistema de registos prediais… poderá a Blockchain resolver esta questão, e comprovar a autenticidade da posse e transações do imóvel?
Talvez se surpreenda, mas todos os exemplos que referi acima já existem e estão em pleno desenvolvimento. Outras possibilidades aparecerão no futuro onde provavelmente ainda ninguém deu o primeiro passo.
Depois desta pequena introdução, posso então avançar para o que considero ser uma nova e mais recente forma de transacionar e investir em imobiliário através da Blockchain.
O exemplo que vou descrever abaixo não é aconselhamento financeiro da minha parte, nem terei nenhum benefício financeiro por parte da empresa apresentada. Tenho apenas por objetivo dar a minha visão para poder despertar a curiosidade de querer conhecer novas formas de investimento e modelos de negócio, que a meu ver, se tornarão cada vez mais comuns nos próximos anos.
A RealT é uma sociedade americana que pretende democratizar o investimento imobiliário, tornando-o financeiramente acessível a qualquer investidor, independentemente da sua localização geográfica e capacidade financeira. Esta empresa adquire imóveis e executa a sua tokenização com a finalidade de buy-and-hold para investidores. A título exemplificativo e aproximativo da oferta existente possível, uma casa familiar em Detroit de um valor de 50.000 dólares poderá ser tokenizada e fracionada em 1000 partes (tokens) que serão depois vendidos a investidores através da Blockchain. Esta empresa realiza todo o processo administrativo e jurídico da tokenização do imóvel bem como o registo jurídico da posse do(s) token(s) por parte dos investidores. Este último é feito pela assinatura digital de um documento com validade jurídica nos Estados Unidos da América, e que confirma legalmente que o(s) token(s) que acabou de adquirir pela RealT, e registados na Blockchain, são de facto seus. A RealT realiza também toda a gestão de arrendamento dos imóveis e da distribuição de rendas (semanalmente, e em função do número de tokens).
Penso que, da parte da sociedade RealT, existem pelo menos 2 vetores de rendimentos da empresa:
- aquisição de imóveis abaixo do preço de mercado, reabilitação do imóvel, e revenda com mais-valia, através da sua tokenização, e
- rendimentos relativos à gestão de arrendamento do imóvel, que serão provavelmente semelhantes aos serviços de gestão clássicos.
Do ponto de vista dos investidores, este modelo de investimento imobiliário buy-and-hold em Blockchain permite diversas vantagens:
- Facilidade, rapidez e acessibilidade financeira do investimento (cerca de 50 dólares por token) para qualquer investidor(a), tendo a possibilidade de investir apenas em 1 token, ou nos que desejar;
- Liberdade geográfica para realizar o investimento e para deter os seus ativos (tokens) em qualquer parte do Mundo, como já referido acima;
- Investimento imobiliário de elevada liquidez. Os seus tokens estarão guardados na sua “wallet” (carteira) e poderão ser revendidos quando e se assim o desejar;
- Diversificação geográfica do seu portfolio de investimentos, que assim fica exposto a novos mercados imobiliários, de uma forma simples;
- Cerca de 10% de rentabilidade líquida, variável consoante o imóvel. As rendas são recebidas semanalmente na sua carteira na Blockchain em “stablecoin” (criptomoeda com o seu valor associado, neste caso, à uma moeda nacional, o dólar), que lhe permitirá posteriormente receber ou fazer compras em euros, ou reinvestir a stablecoin recebida noutros tokens ou em outras possibilidades de investimento dentro da Blockchain;
- Disponibilidade de novos investimentos e tokens praticamente todas as semanas;
- Investimento imobiliário de gestão totalmente passiva por parte do investidor.
De notar que o valor dos tokens poderá estar sujeito a reavaliação do seu valor em dólares, tendo em conta a evolução do mercado imobiliário onde o imóvel se situa.
O único inconveniente que vejo neste momento para este tipo de investimentos imobiliários será a dificuldade de alavancagem do investimento com crédito bancário em condições semelhantes às condições de crédito imobiliário clássico (uma oportunidade a explorar). Mesmo que o seu gestor de conta esteja familiarizado com a Blockchain, talvez seja ainda difícil convencer a sua hierarquia para financiar este tipo de projetos imobiliários (por agora…). No entanto, mesmo dentro da Blockchain, existem já protocolos para realizar empréstimos em criptomoedas…
Para ficarem a conhecer com detalhe os fundamentos e o modelo de negócio, bem como ler sobre os projetos e aplicabilidades da Blockchain e Tokenização em geral, convido-vos a aceder ao documento “Whitepaper” da empresa RealT.
Outros projetos de tokenização de imobiliário têm surgido no Mundo, em diferentes países, mas para já (os que tomei conhecimento) são mais vocacionados para investidores com carteiras de investimento mais elevadas.
Pessoalmente e para a minha geração, considero a RealT um modelo de negócio fantástico dos pontos de vista de mediação imobiliária e de investimento.
Considero também que a tokenização de imobiliário e em imobiliário permitirá possibilidades muito interessantes no futuro, para além do modelo de negócio da RealT: desde todo o tipo de contratos registados em Blockchain, gestão de arrendamento, conhecer a origem e dados de fabricação dos materiais de renovação usados no seu imóvel, seguros, créditos imobiliários…
Na década de 90 poucos acreditavam na Internet, e sabendo hoje como mudou as nossas vidas, como encararão agora a Blockchain?
De uma forma global, a Blockchain está a mudar a forma como comunicamos, nos relacionamos, como construímos e realizamos negócios, e como interagimos com o Mundo. Penso que a pandemia veio acelerar ainda mais esta mudança de paradigma…
Teremos modelos de negócio como a RealT em mediação imobiliária em Portugal, nos próximos anos ? Para mim e para a maioria da minha geração acredito que já não é uma questão de “se”, é uma questão de “quando”.
A RealT vai expandir para outros países e, prevendo que seja dentro de poucos anos, tudo isto se vai tornar normal e convencional.
Os projetos de Blockchain têm tido um desenvolvimento exponencial e os próprios governos dos diferentes países ainda não tiveram a oportunidade de regular totalmente as oportunidades tecnológicas que estão a surgir. Em Portugal (assim como em alguns outros países na Europa, no momento da publicação deste artigo), os rendimentos provenientes de Blockchain estão isentos de impostos. Da mesma forma que se fala já em Euro Digital, a União Europeia está a trabalhar para que a regulamentação da Blockchain e das oportunidades que traz seja justa e responsável em todos os países membros. A partir deste início de agosto 2021, os fundos de investimento institucionais na Alemanha podem agora legalmente realizar investimentos em criptomoedas e Blockchain até 20% dos seus portfolios. Neste verão, El Salvador adotou a Bitcoin como nova moeda nacional. Prepare-se para ver novas mudanças noutros países, ainda este ano… Nos EUA, este ano, uma “corretora” de criptomoedas foi a primeira empresa deste género a ser cotada em Bolsa; existem projetos de ETFs com Blockchain e criptomoedas em espera de aprovação (no Canadá já existem oficialmente); bancos de investimento já oferecem serviços de investimento em criptomoedas para os clientes mais afortunados; a regulamentação destes mercados tem sido muito debatida e poderá haver mudanças muito significativas no sentido de clarificar a adoção massiva desta tecnologias, mas também nos impostos sobre mais-valias.
Sem qualquer ligação comercial ou contratual à RealT e apenas enquanto (muito modesto) investidor em imobiliário através desta empresa, estou muito satisfeito com a experiência e tenho curiosidade genuína em fazer parte e acompanhar a evolução destas novas tendências em Blockchain e Imobiliário, e quem sabe no futuro (mais ou menos breve), poder vir a investir em tokens com vista para os rios Tejo e Douro…
Artigo realizado por Fernando Vilela https://www.linkedin.com/in/fernandoarvilela/