Mediação Imobiliária, uma atividade sem lei, nem roque?
Tudo indica que depois de mais de 2 anos de pandemia que contagiou quase todos os sectores com grandes desafios, dificuldades e limitações, ainda não podemos afirmar com certezas quais serão as reais consequências que teremos após este período, mesmo com a tão esperada e potente injeção dos fundos da União Europeia já este ano.
Mas se há uma certeza evidente, é a de que a inflação está lentamente a subir, e não aparenta qualquer tendência de abrandamento.
Apesar deste cenário aparentemente desfavorável para qualquer um, o ramo imobiliário manteve o seu ciclo de subida surpreendendo até os mais céticos que verificaram que o imobiliário continuou em alta, ou seja, a procura continuou a superar a oferta, e por isso a tendência de subida de preços manteve-se, ainda por cima, num contexto de taxas de juro baixas o que permitiu que muitos continuassem a comprar. Mesmo as mudanças afetas aos golden visa parecem não ter tido ainda um impacto significativo no que diz respeito a investimento estrangeiro. E os números comprovam os factos: em Portugal, no ano passado, estima-se terem sido vendidas cerca de 190.000 casas, um valor um pouco acima do registado em anos anteriores.12
É preciso esclarecer que a mediação imobiliária vive das transações. Independentemente da conjuntura, qualquer mercado que tenha um elevado número de transações, e de preferência rápidas, indica que será um mercado onde empresas de mediação, e por consequência, os seus agentes proliferam e conseguem resultados extraordinários. Relembro períodos recentes no final dos anos 90 e princípios do século, onde também se viveram momentos de forte abundância e recordes de transações.
Também é verdade que estes períodos de grande atividade transacional dão origem a iniciativas oportunistas e especulativas levadas a cabo por novas empesas que nascem como cogumelos neste mercado e que por consequência da sua vontade lasciva de lucro, acabam por levantar questões ligadas à ética que impactam e muito o cliente seja ele comprador, vendedor, ou se preferirem, investidor.
A história é uma grande conselheira, e se recuarmos um pouco no tempo podemos verificar os momentos mais importantes para a história legislativa da mediação imobiliária em Portugal, que claramente influência a ética neste setor. A primeira lei surge em 1961 – DL nº 43.767 de 30 de julho, e o principal motivo (talvez o único) da necessidade de criação desta regulamentação foi indubitavelmente o incremento desta atividade durante os anos anteriores.
Depois deste período foi preciso passarem-se décadas de descida ou estabilização do mercado imobiliário transacional, para se voltar a falar da Mediação Imobiliária ao nível da legislação, mais precisamente 31 anos quando em 1992 se publica o DL 285/92 de 10 de dezembro, e mais uma vez, devido a um ciclo de crescimento e desenvolvimento verificado na atividade imobiliária na área da promoção e consequentemente, na mediação. Estávamos no início dos anos dourados do imobiliário português.
Nesta década altamente especulativa e expansionista, assistiu-se a uma nova atualização da lei com o DL 77/99 de 16 de março, que trouxe como novidade um conjunto de normas destinadas a proteger os clientes das empresas de mediação imobiliária.
Contudo, foi em 2004 que surgiu o “grande” decreto de lei da mediação imobiliária, o DL 211/04 de 20 de agosto que trouxe regras apertadas e bem definidas para orientar toda a atividade. O Estado interveio devido ao grande crescimento da atividade na década que tinha acabado de terminar, e que parecia não dar sinais de parar de crescer.
Mas como o imobiliário é feito de ciclos, eis que a partir de 2007, Portugal apanhou com a onda de choque do subprime que levou a uma entrada definitiva de Portugal num novo ciclo menos positivo. Muitos não foram capazes de resistir, e outros tantos oportunistas que circundavam a atividade “voaram” com facilidade e sem qualquer tipo de preconceito para outros negócios de oportunidade. Nesta altura o estado resolveu alterar o célebre DL 211/04 dando mais flexibilidade às empresas de mediação e aos seus agentes, libertando estes últimos do licenciamento obrigatório para exercer a sua atividade e atenuando de forma acentuada os requisitos do licenciamento para as empresas de mediação com a publicação do DL 69/11 de 15 de julho, e do DL 13/13 de 25 de janeiro que acabaram por alterar grande parte do DL 211/04 e gerar uma grande controvérsia e consternação por parte dos profissionais da área que viram a sua atividade menos regulada e aberta a qualquer pessoa fosse ela mais ou menos qualificada ou mais ou menos vocacionada, e claro, mais tarde até pelos próprios clientes que sentiram na pele a diferença entre níveis de serviço e atuação.
Uma das últimas alterações que se registou foi na década passada com o DL 102/2017 de 23 de agosto, uma alteração que incidiu nos Contratos de Mediação Imobiliária e que não teve grande relevância em relação às bases da atividade.
Estamos em 2022 e sem grandes avanços a nível de regulamentação e ética para profissionais, é caso para dizer que neste momento a mediação imobiliária vive um autêntico caos numa zona altamente cinzenta. Tudo vale para fazer números e transações.
Senão, vejamos:
Heterogeneidade dos agentes. Entre muitas outras características deste setor, temos agentes imobiliários com perfis altamente heterogéneos sem uma licença individual, logo, sem qualquer tipo de uniformização de formação base, nem necessidade de cumprimento de garantias de serviço prestado, que são apoiados pelas empresas de mediação que chama a si a responsabilidade pela atividade dos agentes num cenário de modelos de negócio colaborativos de agências com centenas e até milhares de agentes imobiliários que operam sobre o mesmo AMI e que tornam a missão de controle da sua atuação, níveis de serviço e cumprimento de normativas, numa missão hercúlea, e muitas vezes quase impossível.
Formação errada. Temos a própria formação para o setor inundada com técnicas de venda e angariação agressivas que mais parecem fórmulas mágicas para persuadir o cliente para o sim, sem qualquer base em valores éticos e desconsiderando na maioria dos casos, a própria lei em vigor.
Relação entre pares. Temos a própria relação entre pares, ou seja, entre profissionais do setor que até aplicam boas práticas de serviço, como contratos de mediação imobiliária em exclusivo, onde é expetável um nível de qualidade de serviço mais elevado associado a boas práticas de divulgação do negócio, como a partilha do cliente e honorários de forma equitativa, mas que acabam por ser muitas vezes deturpadas pela relação de forças entre marcas mais fortes e mais fracas no mercado, no sentido em que quem tem o cliente vendedor, dita as suas próprias regras sobre a eventual transação e fá-lo sem sequer incluir o seu cliente nas suas decisões o que cria um gap entre o que é contratado, e o que realmente é feito dando origem a inúmeros litígios e conflitos entre profissionais, clientes e empresas de mediação.
Os oportunistas. Temos ainda os oportunistas, que se aproveitam da situação cinzenta de quase nenhum controle ético ou legislativo sobre a atividade e iniciam ou continuam a exercer a atividade de mediação como um part-time que tem origem em atividades paralelas geradoras de contactos de informação privilegiada.
Tendo em conta que a atual quota de mediação imobiliária em Portugal deverá rondar os 50 a 60%, a pergunta que deixo para reflexão é a seguinte: “Em Portugal, o que pode esperar hoje um cliente comprador ou cliente vendedor desta atividade?”
Numa fase em que a mediação não apresenta sinais de abrandamento ao nível das transações e tendo em conta a oportunidade de melhoria de serviço que pode vir a existir com o massivo investimento que se adivinha, penso que é a altura perfeita para elevar definitivamente as pessoas que realmente trabalham com o objetivo de serem verdadeiros profissionais empreendedores de mediação, e não apenas oportunistas.
A nova lei da mediação imobiliária está a ser ultimada pelo estado e pelo seu regulador. Esta lei é pedida há muito por grande parte dos profissionais de mediação que sabem que mais importante que o novo decreto, será a capacidade e rapidez na sua aplicabilidade.
Até lá, a mediação imobiliária possivelmente vai continuar a ser uma atividade sem lei, nem roque…
Artigo original de Massimo Forte publicado no blog outofthebox
Comentários (1)
Rosa
17 de Abril, 2022