O fim do “vendedor foca”
Nos últimos dez anos a mediação imobiliária teve uma evolução positiva.
Positiva porque significou mais crescimento, mais faturação, mais profissionais qualificados e melhores organizações, no entanto e infelizmente, este período de prosperidade não despertou a classe para a oportunidade de desenvolvimento sustentado com a promulgação de uma nova lei que licenciasse e profissionalizasse a atividade de Agente Imobiliário, o que levou :
- A um recrutamento desenfreado e entrada de muitas pessoas em part-time numa ótica oportunista e meramente especuladora;
- Ao aumento de estruturas e empresas motivadas por estas pessoas;
- À proliferação de profissionais de outras áreas que passaram a exercer mediação sem qualquer tipo de licença ou formação;
- À criação de uma ideia de facilitismo e rapidez na concretização de negócios o que levou uma grande maioria de pessoas na atividade a desenvolver o síndrome de “vendedor foca”.
Chamo “vendedor foca” a um profissional que gosta de estar sentado à espera do contato para fechar vendas e não sente necessidade de se levantar para prospetar. São alimentados por uma fase de mercado em alta com abundância de leads.
A fase do mercado a que me refiro é caracterizada como “mercado do vendedor”.
Caracterizou a situação do mercado português na última década e definiu Agentes Imobiliários cada vez mais focados no comprador, não propriamente por ser o comprador o elo mais fraco e quem precisou e precisa ainda de uma maior ajuda para comprar, mas por ser o cliente menos complexo ao nível de negociação, de mais fácil no trato pois está disponível para ser ajudado e o que há em muito maior número criando a ilusão de que o negócio está apenas na obtenção do maior número de leads, ou seja, de contatos de compradores.
Curioso que apesar de todas as formações de empresas líderes de mercado em Portugal dizerem que o foco deve estar na angariação em qualquer ciclo ou mercado, porque quem tem a angariação é rei, a proliferação do foco no cliente comprador (geralmente sem contrato de serviço em Portugal) foi o que mais cresceu pelo facilitismo de obtenção de leads sem necessidade de sair do lugar.
O desequilíbrio de mercado com excesso de compradores com vontade e capacidade para comprar criou uma situação de frenesim entre Agentes Imobiliários que viveram claramente um momento de oportunidade para trabalhar apenas compradores.
Erro crasso diria eu, principalmente porque em Portugal, arrisco-me a dizer, que mais de 95% das empresas de mediação trabalham com contratos de mediação imobiliária para clientes vendedores, sendo este cliente (o proprietário e não o comprador) que habitualmente paga a comissão. Não havendo contrato com o cliente comprador, estamos perante um cliente que não é exclusivo, fidelizado e não tem de se comprometer com ninguém.
Felizmente há a prática de partilha na maior parte dos casos, o que permite que o Agente que trabalha compradores possa viver única e exclusivamente destes calmamente sentado à secretária trabalhando funis e leads, no entanto, esta vantagem levada ao limite veio de certa forma desvirtuar a atividade do Agente Imobiliário típico em Portugal que se focava na angariação, porquê? Porque sentia que muito do trabalho difícil de prospeção e angariação tinha de ser partilhado em igual percentagem de comissão com o Agente que apenas lhe trazia o contacto do comprador, algo que ele sentia que com um pouco mais de tempo podia captar sem ter necessariamente de partilhar metade da sua comissão.
Esta foi a razão que levou a marca líder de mercado a indignar-se e a agir de forma reativa implementando uma proporção desequilibrada na repartição da comissão entre Agentes do Compradores e do Vendedor defendendo a ideia de que quem detém o contrato de mediação imobiliária do vendedor, é quem tem a faca e o queijo na mão para gerir o processo da promoção e transação do imóvel, e ainda, que num ciclo de mercado do vendedor, é muito mais difícil angariar e por isso a proporção maior da comissão deveria ir para quem tem o mérito de fazer boas angariações em exclusivo.
Percebi os argumentos, não percebi a forma como esta medida foi comunicada e implementada num mercado livre onde este princípio poderia naturalmente ser aplicado por mérito e não por imposição. Após muita contestação, a mesma empresa não teve outra hipótese se não a de reverter a regra imposta.
Mas na minha opinião, há de facto um fundo de verdade nisto, e talvez dê que pensar tendo em conta que em Portugal, ao contrário de muitos países, ainda não existe a democratização de elaboração de contrato de exclusividade com o cliente comprador.
Para além do mais, este desequilíbrio foi também o que fez proliferar a atitude de “vendedor foca” e não só.
Hoje e cada vez mais, Agentes e empresas de mediação se queixam das frequentes subidas de preço dos portais imobiliários, mas há que perceber que os portais têm um negócio diferente do da mediação, os portais fornecem leads. Se os profissionais se focam essencialmente neste canal e em estratégias para obtenção de leads exclusivamente online, o mercado funciona como sempre funcionou, em regime liberal, ou seja, a procura define a oferta e o preço, logo, não terão outra alternativa se não pagar cada vez mais se quiserem ficar sentados à secretária!
Para quem ainda não explorou mais canais volto a dizer: não há apenas este canal para encontrar oportunidades.
Será que nunca experimentaram ou ficaram dependentes? Será que nos últimos anos andaram apenas focados no facilitismo de obtenção da lead e esqueceram-se das inúmeras formas que existem para complementar a obtenção de contactos? Será que muitos profissionais abandonaram formas eficazes e ativas de fazer prospeção em detrimento de conforto e vida facilitada evangelizada por muitos que querem criar verdadeiros “vendedor foca” porque sabem que implica um lucro fácil e preço alto a pagar pelos Agentes pela dependência na obtenção de leads?
Não tenho nada contra a foca, é um animal simpático e corajoso, age de acordo com a sua natureza para sobreviver no seu habitat natural, tem de estar parado para repor energias para poder ir todos os dias à procura da sua subsistência mergulhando em águas infestadas de predadores para procurar peixe.
Quando digo que o Agente Imobiliário não pode apenas aspirar ser “vendedor foca”, digo-o de forma a fazer uma comparação a uma foca fora do seu habitat natural, uma foca que está em cativeiro e fica de boca aberta à espera que alguém lhe dê o peixe para ela comer. Fica cada vez menos ágil e cada vez mais mais dependente, tal como o Agente que chega de manhã ao seu escritório ou agência, abre o seu computador e fica calmamente à espera que alguém lhe dê ou que caia uma lead para tratar.
A Meta prepara-se para aumentar preços, fala-se inclusive na possibilidade da criação de uma subscrição mensal para cada rede social, logo a minha pergunta é: Vão continuar com a atitude de “vendedor foca” ou vão explorar alternativas mais saudáveis e equilibradas para 2024?
Artigo de Massimo Forte
Comentários (1)
Lucía Vieira
18 de Outubro, 2023