03 de Abril, 2024

O reajustar de comissões no mercado norte-americano.

Massimo Forte

Já não é a primeira vez que falo na tendência, ou melhor, da vontade dos reguladores do mercado norte-americano de mediação imobiliária de baixar e controlar os valores das comissões pagas pelos clientes vendedores e compradores em cada transação com intervenção de um agente imobiliário.

Em primeiro lugar há que referir que o sucess fee que o agente/mediador imobiliário recebe deve ser denominado de comissão e não de honorário, como muitas vezes se tenta e pretende fazer entender, afinal, as empresas e profissionais de mediação são pagas para resolver uma situação do seu cliente que se traduz na transação de venda ou compra de um bem imóvel.

De notar que, mesmo após cumprimento do serviço estipulado em contrato de mediação imobiliária, só terão direito ao recebimento de comissão, caso a transação se realize, ou eventualmente, quando exista incumprimento estipulado em contrato por parte de um dos clientes.

Também de referir que numa transação, os agentes imobiliários representam apenas uma das partes, comprador ou vendedor, e por isso, na mesma transação, só devem receber de um dos dois clientes. Tradicionalmente, e na maioria das vezes em qualquer parte do mundo, a comissão é paga pelo vendedor/proprietário que paga ao agente contratado pelo sucesso da transação, neste caso, da venda do seu imóvel.

No mercado norte-americano, e, por exemplo no italiano, há já mais de 20 anos que se começou a cobrar também ao cliente comprador. A lei permite que o agente imobiliário cobre uma comissão ao seu cliente comprador, prescindindo, porém, e sempre na mesma transação, do recebimento do cliente vendedor. Exceção no caso italiano que se recebe dos dois lados em cada transação, sendo que o valor percentual se equilibra para os valores de mercado geralmente cobrados dividindo um percentual total em duas partes.

Este tipo de prática veio de certa forma aliviar a barreira da não disponibilidade de partilha de comissão por parte de alguns agentes/mediadores que, geralmente, não estavam disponíveis para partilhar o valor da comissão que iriam receber do seu cliente, geralmente, o cliente vendedor/proprietário. Ora em Portugal (e não só) acontece precisamente a mesma situação, o que dá abertura para que alguns agentes imobiliários não partilhem ou criem barreiras à partilha criando assim limitações às oportunidades de transação do imóvel.

Contudo, a liberdade de se poder cobrar também ao comprador e havendo 2 agentes/mediadores imobiliários envolvidos na mesma transação, começou a fazer com que as transações imobiliárias nos Estados Unidos sofressem um aumento de valor de comissão por transação, atingindo atualmente valores que são considerados demasiado elevados por transação começando nos 7% e indo até aos 10% de comissão num total.

Com o mercado a ficar com preços médios de venda cada vez mais caros, e as taxas de juros cada vez mais altas, os compradores começaram a ter grandes dificuldades de acesso à habitação por via de compra com recurso a crédito, a juntar-se a estas condicionantes, viram ainda o valor de comissão a pagar ao agente que os representasse tornar-se num percentual cada vez mais elevado.

Sempre falando no mercado dos Estados Unidos da América, recentemente descobriu-se que poderia existir uma certa concertação entre algumas empresas de mediação imobiliária, nomeadamente as maiores redes, acordo este que teria o apoio da NAR, a  Associação Norte-Americana de Mediação Imobiliária, razão pela qual foi instaurado um processo com multas elevadas para todos os participantes deste acordo, incluindo a própria NAR.

Em virtude desta situação, na passada semana houve uma intervenção importante por parte dos envolvidos no que diz respeito ao controle e limitação do valor das comissões pagas pelos clientes compradores, com o objetivo de não se honorar cada vez mais a venda imobiliária e dificultar ainda mais o acesso à compra de casa.

Para esclarecer melhor este assunto, além de ter lido muitas opiniões de especialistas deste mercado, optei por falar com um dos meus contactos em Miami, Daniel Ickowicz, Diretor de Vendas da Elite International Realty, uma empresa especialista em clientes compradores há mais de 30 anos, e com uma equipa atual de mais de 80 agentes imobiliários.

Segundo o Daniel Ickowicz, antes de mais, será importante referir que quaisquer novas regras que venham a ser aplicadas, ainda não estão aprovadas.

Vejamos, considerando que os agentes da NAR detêm por volta de 90% das vendas feitas no mercado norte-americano, e sabendo que a NAR é a maior associação do país e ainda, uma das maiores do mundo, é importante referir que a NAR foi uma das principais impulsionadoras do código de ética entre profissionais, e que foi quem mais desenvolveu os sistemas de MLS (sistemas múltiplos de angariação) que hoje permitem que a partilha seja feita de forma totalmente transparente, colocando-se, por exemplo, o valor da comissão a ser partilhada em angariações em exclusivo, previamente e sem complexos.

Também é importante referir que à medida que a atividade da mediação imobiliária continua a evoluir, também evoluem as regulamentações e diretrizes que a regem, por exemplo, a NAR introduziu também recentemente um novo acordo de comissão que está a gerar grandes discussões e debates em toda a comunidade profissional de mediação imobiliária.

Que implicações tem este acordo neste mercado?

O acordo de comissão da NAR visa abordar as preocupações relacionadas com a transparência, competitividade e comportamento dentro do mercado imobiliário.

No passado dia 15 de Março a NAR anunciou um acordo legal que encerraria as ações judiciais feitas em nome dos vendedores de imóveis, ações estas relacionadas com comissões pagas a agentes imobiliários. A NAR acordou a resolução de uma série de processos por meio de um pagamento de 418 milhões de dólares em danos.

Além disso, a NAR irá eliminar as normas sobre comissões que foram entendidas como um processo de concertação.

O acordo em questão pretende resolver as alegações contra a NAR, entidade que tem mais de 1 milhão de membros que representaram um volume de transações no residencial em 2022 perto de 2 biliões de dólares.

De notar que o acordo ainda precisa de ser aprovado.

Olhando para o ponto de vista do agente imobiliário, o novo acordo de comissão traz desafios e oportunidades.

Por um lado, o aumento da transparência no que diz respeito à divisão de comissões pode levar a um maior escrutínio por parte de clientes e concorrentes.

Os agentes/mediadores terão de justificar os seus valores de comissão e demonstrar o valor que oferecem ao longo do processo de compra de venda. Isso significa que terá de haver um maior esforço de comunicação desta informação para o cliente o que significa necessidade de mais recursos e mais investimento em marketing, comunicação e formação em negociação para se diferenciarem num mercado mais transparente e por isso mais concorrencial.

Por outro lado, o acordo de comissão apresenta uma oportunidade para os agentes demonstrarem a sua especialização e o seu profissionalismo.

Ao abraçar a transparência divulgando abertamente valores de partilhas de comissões, os agentes podem construir melhores relações de confiança com os seus clientes e podem desta forma posicionar-se como parceiros honestos e confiáveis no que diz respeito ao serviço prestado de transação imobiliária. Além disso, os agentes que de forma consistente entregam um serviço e resultados excecionais, provavelmente irão prosperar ao longo do tempo, e provavelmente irão prosperar neste novo ambiente porque o mais importante é mesmo resolver problemas e ter clientes satisfeitos que se tornam defensores do seu serviço e por isso, do seu negócio.

Neste mercado, será crucial que os agentes imobiliários comuniquem abertamente com os seus clientes sobre as implicações do acordo de comissão da NAR e como isso pode impactar as suas transações imobiliárias e melhorar a transparência de serviço para o seu cliente. Ao abordar proactivamente quaisquer perguntas ou preocupações, os agentes podem tranquilizar os seus clientes e fortalecer relacionamentos sem medos e sem complexos.

Outra medida do acordo que terá certamente grande impacto é que não irão existir mais comissões a pagar pelo agente do comprador dentro dos MLS’s. Só esta decisão vai originar um aumento substancial de agentes que trabalham compradores, com contrato, e com de certificação da ABR (Accredited Buyer Representative).

Embora possa apresentar desafios para os agentes, também oferece oportunidades para demonstrar profissionalismo, construir confiança e oferecer um melhor serviço aos seus clientes.    

Concluindo, o novo acordo de comissões da NAR representa uma mudança significativa no cenário imobiliário que enfatiza a necessidade cada vez maior de transparência e o empoderamento do consumidor.

Contudo, não me parece que estes acontecimentos venham contribuir para um reajustar ou uma descida do valor das comissões cobradas aos vendedores, dando-se muitas vezes o exemplo do Reino Unido, onde os valores rondam os 1,5%. Esta descida poderá eventualmente acontecer com a automatização dos processos de venda e transação que a tecnologia já pode hoje trazer e que irá irromper num futuro muito próximo.

E em Portugal?

Em relação a eventuais consequências desta tendência para o mercado português, e não só, também sou da opinião que haverá um aumento de agentes ABR, embora apenas por tendência, e não por necessidade.

Além do mais, esta mudança poderá, quem sabe, fazer repensar a forma como as comissões dos clientes compradores são apresentadas aos mesmos, e ainda, a iniciativa, capacidade ou até obrigatoriedade por parte dos agentes de, informar quais os valores de repartição de partilha de comissão com outros agentes, tornando assim todo o processo cada vez mais transparente.

Artigo de Massimo Forte

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