15 de Março, 2022

Algoritmos, será que tem mesmo liberdade para escolher?

Massimo Forte

Será que quando pesquisamos para nos inspirarmos, ou para obtermos informação sobre o que queremos comprar, nos damos conta daquilo que realmente vai guiar o nosso processo de compra?

E será que é uma informação isenta ou tendenciosa?

Temos a certeza de que a informação é idónea e completa para decidirmos em consciência, ou será que afinal, somos manipulados todos os dias?

Afinal, como funciona a ética no mundo das Apps e dos seus algoritmos?

Inspirando-me neste tema e no programa italiano “le iene”, referenciado pelo blogger Rudy Bandiera, especialista em tecnologia e tendência, achei que seria interessante fazer uma reflexão sobre o que possivelmente acontece todos os dias (e a toda a hora) quando utilizamos várias apps através dos nossos smartphones.

Quando existe um algoritmo que vigia tudo o que navegamos, como navegamos e como respondemos e interagimos à informação que nos é dada, podemos dizer que estamos perante uma tecnologia que nos conhece melhor do que a nossa mãe! Este algoritmo pode propor-nos algo que nós ainda nem se quer fazíamos ideia, e que muito provavelmente, podemos vir a querer, o que me recorda uma frase norte-americana muito conhecida e que justifica esta necessidade de saber tudo: “quando sei tudo sobre o meu cliente, já lhe consigo vender alguma coisa”.

Será que o algoritmo nos influencia de tal maneira que poderá escolher por nós levando-nos a crer que fomos nós que escolhemos?

Teremos realmente liberdade na escolha, ou estamos a ser manipulados todos os dias?

Estamos seguros de que todos os dias escolhemos aquilo que queremos ver, ouvir, ler e até comprar, ou afinal escolhemos o que o algoritmo nos mostra mesmo que sejamos depois nós a decidir?

Existem milhões de apps disponíveis nos nossos smartphones, nos primeiros 4 lugares temos o: Whatsapp, Facebook, Messenger Facebook, Instagram; mas no 5º lugar a grande novidade deste ano que sai do universo Zuckerberg é o Tik Tok e depois temos o Chrome, ou seja, o que realmente utilizamos para navegar na internet, de seguida a Uber e por fim, o universo google com Youtube, GoogleMaps e Gmail.

Os dois grandes impérios que gerem o que vemos e a quem damos mais atenção: Facebook (agora o Metarverse) e Google. Sabem tudo sobre nós e principalmente, querem saber tudo sobre nós. A estratégia: traçar o perfil mais exato de cada utilizador, isto é, de cada um de nós e isso é possível porque quanto mais usamos estas e outras apps, mais o algoritmo sabe sobre nós.

O algoritmo consegue registar qual é o nosso feed, e principalmente, onde paramos no feed, e quanto tempo gastamos nessa paragem, estes dados e a velocidade de navegação é de extrema importância para analisar o nosso interesse em relação a uma publicação. O tal algoritmo, através de um processo de recolha e cálculo de dados, verifica por exemplo a nossa passagem de um post para outro, aquilo que guardamos, o que comentamos, ou que eliminamos e até mesmo o formato do conteúdo com que mais interagimos, ou seja, se gostamos mais de vídeos, fotos ou texto, por exemplo, se não vemos o vídeo todo, calcula que não gostamos ou não estamos interessados. Os clicks, os likes, e as partilhas também são medidas importantes para avaliar o interesse. Quando abrimos o nosso instagram vai dizer-nos, em relação ao nosso comportamento na app, aquilo que nós somos ou aspiramos ser.

Uma evidência é que se experimentamos navegar e ver perfis de pessoas diferentes de nós ao seu lado, vamos verificar que o seu feed é totalmente diferente do nosso mesmo que tenhamos os mesmos laços de relação.

Tudo é sugerido com base no que costumamos ver. Quando fazemos zoom numa foto o algoritmo regista este movimento e fica a saber o que nós pretendemos ver no específico naquela foto. A obtenção desta informação é processada e o algoritmo prontamente se liga a outras apps para proliferar esta informação a outras apps das nossas preferências que podem desta forma saber exatamente o que queremos para nos sugerir o que têm disponível para comprarmos ou gostarmos. O nível de refinamento de dados não vai só até ao produto ou serviço que desejamos, tem em conta dados como o nosso orçamento disponível e frequência de compra para que seja uma escolha altamente afunilada, tão afunilada que nós não nos apercebemos de como é que a informação que aparece parece saída da nossa cabeça!

Tudo é possível através de tecnologia como pixel que regista todos os nossos movimentos. É por isso que se procuramos numa app um bilhete de avião para Madrid, passado alguns instantes quando estamos no Facebook aparecem propostas de voos, hotéis e imaginem, até nas datas que acabamos de pesquisar, e no valor que estamos dispostos a pagar. A esta ação chamamos hoje uma ação de retargeting.

Mas como isto acontece sem nos apercebermos?

Muitas vezes, quando mudamos de aplicação, existe uma ação de permissão, ou seja, a app pergunta se lhe damos permissão em relação à recolha dos nossos dados, e muitas vezes para não perdermos tempo a ler tudo, clicamos logo que sim. Na maior parte dos casos quando isso acontece estamos a dar permissão uma série de apps para ter acesso a nosso perfil de pesquisa, normalmente todas estas apps são pertencentes a grandes grupos, como por exemplo a Amazon o que lhes permite ter um valor incalculável de informação sobre hábitos e comportamentos que conseguem saber e prever como vamos reagir, muitas apps parece que nos conhecem melhor do que nós mesmos.

A partir do momento em que o algoritmo nos conhece tão bem, se entramos numa app para ver algo, é natural que sabendo do nosso interesse, nos mostre outros conteúdos similares com o único objetivo de não sairmos dessa mesma app para obtermos o que necessitamos, o algoritmo trabalha para ficarmos lá mais segundos, minutos, e quem sabe, horas funcionando quase como uma espécie de droga a que vamos chamar de divulgação de coisas que realmente gostamos e nos fazem prender ao nosso smartphone.

É um pouco como o supermercado, quando entramos para comprar uma coisa, toda a loja está pensada para garantir que quando saímos, acabamos por comprar muito mais do que aquilo que realmente tínhamos pensado comprar e que realmente necessitamos.

Há empresas que têm por isso como único objetivo o de agregar dados do rasto que deixamos todos os dias nos nossos smartphones. Por exemplo, o TrypAdvisor sabe onde costumamos jantar à noite, o Waze sabe quais os caminhos e locais onde costumamos ir, o Spotify e Shazam sabem os nossos gostos musicais e tantas outras mais. O poder dos dados está na união destas empresas e nas ações levadas a cabo pelas mesmas no sentido de influenciar as nossas escolhas.

Tendo em conta que ficamos colados todos os dias no nosso smartphone mais do que devíamos, vejamos, segundo um estudo da counterpoint.com 26% das pessoas utiliza em média mais de 7 horas por dia, 21% utiliza 5-7 horas, 29% 3-5 horas, 20% 1-3 horas e só 4%, menos de 1 hora por dia, a mecânica da notificação é o estímulo ideal para nos manter sempre online. Provoca o sentido de urgência, afinal, quando o sinal da notificação acontece temos de ir ver imediatamente aquilo que está a acontecer, ninguém quer perder informação importante ou qualquer oportunidade que surja por um par de horas.

Uma das melhores dicas, para não cairmos neste tipo de manipulação é simples: desativá-las. Não cria stress e evita graves problemas na gestão de tempo.

Mas não podemos ignorar outra forma viciante de entretenimento: stories. Tendo como base a estratégia de disponibilização para visualização de apenas durante 24 horas, as stories provocam o efeito de FOMO, ou seja, fear of missing out, faz com que não as queiramos perder apelando ao sentido de urgência.

Outra estratégia para nos mantermos ligados é o chamado scroll infinito, possível já há muito tempo no Facebook e Instagram que inspiraram tantos outros a adotar este tipo de navegação.

Com esta navegação e com a possibilidade de fazermos refresh que supostamente nos dá a possibilidade de vermos coisas novas (vamos ver que por vezes não é bem assim) as apps servem-se do estímulo pelo prémio para manter o user ligado, ou seja, nesse refresh colocam sempre algo de novo para que o nosso cérebro reaja como se fosse um prémio tendendo a repetir a ação. O algoritmo não falha, volta a colocar algo de novo no feed (que na realidade são opções do mesmo conteúdo escolhido por ele) e faz com que este ciclo se torne extremamente viciante, logo, perigoso por tender a causar dependência.

Em relação aos dados, havia uma coisa que o Zuckerberg não tinha, os números de telefone das pessoas, e por isso criou o whatsapp. O número de telefone é normalmente a única que não tem tendência a mudar, contudo o Whatsapp não faz nada diretamente com os nossos números de telefone, o que faz é obter mais informações sobre com quem nos relacionamos (daí os grupos). O algoritmo do Whatsapp sabe com quem nos relacionamos com maior frequência e que pessoas são essas, mas atenção, o algoritmo não sabe a nossa identidade, caso isso acontecesse, estaria a violar a lei da privacidade.

Foi o algoritmo que liderou a grande revolução no Marketing que se deu pela inversão da obtenção dos dados obtidos e depois são utilizados na publicidade e as suas campanhas.

Antes íamos ao mercado fazer estudos junto do público-alvo para perguntar o que é que as pessoas precisavam e desejavam para se criar produtos e serviços, hoje, já não precisamos de lhes pedir informação, são as próprias pessoas que nos “dão” dados, informações, necessidades, desejos de forma inconsciente, profunda e extremamente personalizada podendo ser feito até ao nível da pessoa singular, hoje cada pessoa acaba por ser um target único e preciso.

Assim sendo, será importante perceber que quando utiliza algo gratuitamente o produto não é a app, o produto é mesmo você, ou melhor, o produto é a informação que como pessoa individual produz: o que gosta, o que pensa, o que quer, como o gosta de obter e quando por isso há que ter em conta que o que pensa que é a sua liberdade de escolha pode ser na realidade fruto da manipulação induzida pelo algoritmo.

Por um lado, é muito cómodo, não temos de pensar muito, por outro, numa situação normal, teríamos tido a liberdade de escolha de ir à descoberta da informação que realmente poderia fazer sentido de forma espontânea e não despertada, teríamos uma experiência diferente, de livre escolha.

De facto, e apesar das apps não saberem quem somos, sabem o que pretendemos e o que desejamos antes de nós mesmos dando a possibilidade de criar os chamados modelos preditivos que pretendem prever o que pode acontecer em qualquer mercado, mas… os algoritmos continuam a ser modelos matemáticos e nem sempre conseguem prever emoções e comportamentos humanos, vejamos o que aconteceu à Zillow, um portal imobiliário que através do algoritmo comprou imóveis a valores que previa, não só poder revendê-los, mas revendê-los a um valor mais alto do que aquele que tinha adquirido. Infelizmente, e porque o imobiliário é um mercado imperfeito, o algoritmo não conseguiu acertar na previsão (faltavam algumas variantes de análise…) o que provocou a falência desse negócio e demonstrou que a previsão é útil, mas nem tudo é previsível… há que cruzar informação!

Existe ainda algo mais preocupante do que a incerteza total de previsão. Se formos ao Google com o nosso dispositivo e pesquisarmos algo de concreto e pedirmos a alguém desconhecido para fazer exatamente a mesma pesquisa ao mesmo tempo, verificamos que surgem resultados diferentes. Ora se as pessoas recebem informações diferentes, quer dizer que as pessoas vão ter uma perceção diversa sobre o mesmo assunto. Essas diferenças são criadas pelo algoritmo que tem um único objetivo, obter o maior número de informação sobre nós, o que implica fixar-nos ao tema o maior tempo possível dentro de apps e claro, dentro de redes sociais para que no final consigam ser implacáveis quando nos venderem algo que sabem que muito provavelmente, vamos comprar.

Por fim, muitas pessoas pensam que estas empresas têm como foco a venda de dados, mas será que com todo este engenho e esforço para conseguirem obter dados é mesmo só o seu foco?

Não, estas empresas foram mais além e criaram um ecossistema de dados que não disponibilizam, disponibilizam antes um espaço de publicidade dentro do seu ecossistema que se serve destes dados para eficazmente targetizar quem terá a maior probabilidade de responder ao estímulo do seu anunciante, para anunciar, temos de pagar e continuar a pagar se queremos continuar dentro deste ecossistema e vender.

Interessante, certo!

Artigo de Massimo Forte publicado na bolsa de especialistas da revista VISÃO aqui

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