06 de Setembro, 2023

Europeização do mercado residencial português

Massimo Forte

Cada vez mais é nítido que o mercado imobiliário residencial português – ou melhor, Lisboa, Porto, Algarve e mesmo outras cidades de capitais de distrito, como Évora ou Coimbra – está definitivamente a tender para a clássica evolução que outras cidades europeias como Londres, Paris ou Roma, já experienciaram há décadas. De que forma?

Bom, se compararmos a subida de preços por m2 de Lisboa em relação a estas cidades europeias, conseguimos verificar que têm vindo a aproximar-se e, a nível local, a acentuar-se no que diz respeito ao gap existente entre preços de centro e subúrbios.

Tendência do mercado imobiliário em Portugal

A tendência verificada em Portugal, mais especificamente em Lisboa e Porto, deve-se em muito a três fatores, sendo eles: a crescente procura, a acentuada escassez de oferta e a natural subida de preços da última década.

Deve-se, também, à melhoria da oferta do edificado que foi influenciada pelo novo perfil de procura, com alta capacidade de investimento e necessidade de oferta de qualidade, com projetos bem pensados e garantia de exclusividade na área da reabilitação e nova construção.

Portugal hoje atrai um perfil de investidor e comprador nacional e internacional, com capital disponível e que reconhece o potencial de compra – sendo que Portugal, para a maioria deste perfil, se resume a Lisboa, Porto e Algarve.

A forma como a oferta está a ser desenvolvida e, consequentemente, a perceção de que morar no centro das grandes cidades não é agora alcançável para todos, traz consigo efeitos irreversíveis.

Um desses efeitos é a deslocação de pessoas para a periferia onde começam novamente a surgir autênticas cidades satélite, com excelente oferta de edificado, ricas em infraestruturas e serviços que acolhem a sua nova população de bom grado. Esta situação não constitui nada de novo. Inclusive podemos pensar que este fenómeno já tinha começado bem antes do subprime (anos 90). No entanto, com a queda de preços em pleno período de crise, esta tendência sofreu uma inversão, pois, pessoas que procuravam o centro para viver, tinham agora possibilidade de adquirir.

Subida de preços das casas em Portugal

Com a subida de preços e taxas de juro, vive-se agora um período crítico, não só para quem quer comprar, mas também para quem não encontra alternativa no mercado do arrendamento que está cada vez mais escasso e, diria eu, cada vez mais precário. Basta olhar para situações na cidade de Lisboa em que num T1 vivem 4 pessoas ou mais, normalmente oriundas do sudoeste asiático ou Brasil, que não têm hipótese de viver fora de Lisboa devido à fraca rede de transportes, e que, por isso, se sujeitam a pagar valores de renda altos, que divididos entre todos conseguem ser alcançáveis.

Falo aqui de contratos de arrendamento a preços muito elevados que não são muitas vezes declarados. A yield para o proprietário/senhorio é muito acima da média e, aparentemente, a negociação e o despejo são muito mais ágeis.

Observando este cenário, podemos estar perante uma divisão radical de público-alvo para as grandes cidades portuguesas: as pessoas de classe alta e média alta, que podem arrendar ou adquirir um imóvel, mesmo a valores de mercado elevados e que valorizam o conceito de proximidade e exclusividade. E as pessoas de classe média, média-baixa e baixa, que se sujeitam a viver no centro, mas em casas subdimensionadas para as suas necessidades, ou, sem grande hipótese, procuram habitação fora dos grandes centros – sendo que também as periferias mais próximas e outrora alcançáveis, já deixaram de ser para muitos uma hipótese viável devido ao aumento de preços e falta de oferta evidente.

Cria-se, assim, uma nova caracterização e alargamento dos chamados anéis ou círculos de localização face ao centro.

A situação atual e o que é preciso mudar no nosso país

A localização, na minha opinião, continua e continuará a ser um fator crítico de sucesso na aquisição ou arrendamento de um imóvel residencial que vai deixar, ou já deixou de se medir em quilómetros, e tenderá a medir-se em tempo de viagem para o centro da cidade – algo que já acontece nas grandes cidades europeias, com uma diferença: eficácia de rede de transportes, especificamente, a rede ferroviária.

Caso para dizer que Portugal parece ter mesmo perdido o comboio.

Além de não existir soluções de transporte férreo de alta velocidade que diminuiria a distância entre os centros da cidade e contribuiria para um ambiente mais sustentável, parece-me que as infraestruturas existentes estão obsoletas e são escassas para acompanhar esta tendência e necessidade habitacional – basta olhar para as longas filas de trânsito para perceber do que estou a falar.

Também a indecisão sobre um novo aeroporto para melhor servir Lisboa, contribui como um enorme entrave para o turismo – setor que tem estimulado e muito o investimento imobiliário.

Turismo sim, mas é importante haver um turismo que queira ficar mais do que um fim de semana e que valorize autenticidade. O perfil de turista dita também o perfil da oferta do edificado. Não é por acaso que os bairros históricos da cidade de Lisboa estão a ficar descaracterizados e a perder a sua essência, veja-se o caso de Alfama.

Atualmente, Portugal pode ser considerado um país pobre, que pouco produz e considera que o seu único destino é servir o turismo que vê este país como uma excelente alternativa para se viver com segurança, qualidade e tempo ameno.

Ter uma visão diferente será necessário para uma melhor gestão do acentuar da natural tendência de europeização do mercado residencial português.

Ainda vamos a tempo, mas o tempo de quem também é europeu, mas não tanto, começa definitivamente a esgotar-se. 

Artigo de Massimo Forte para Imovirtual

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